A filosofia da liberdade em Red Dead Redemption

Red Dead

Com sua origem no ano de 1947, os jogos de videogame são, de todas as artes, a mais jovem e subestimada. Muitos sequer os colocam neste patamar, sendo erigidos a uma condição de mero lazer (como se este não fosse um objetivo da arte), por um número elevado de razões cuja dissertação fugiriam do escopo deste artigo. A despeito deste menosprezo, não são poucos os jogos que conseguem vislumbrar qualquer indivíduo que os joguem, através de uma combinação de refinamento estético e uma abordagem narrativa madura. Um dos muitos exemplos é Red Dead Redemption, um jogo muitas vezes acusado de ser uma ode ao individualismo e propaganda da ideologia libertária.

Injustamente sendo referido como “uma versão de GTA no faroeste”, o jogo em nenhum momento dá motivos para merecer esta alcunha. Como semelhanças podem existir o mundo aberto, dilemas morais e uma amplitude de possibilidades por parte do jogador, contudo a forma como ambos utilizam esses recursos é diametralmente oposta. Enquanto em GTA a própria dinâmica do jogo comporta poucas consequências para suas ações, além de uma perseguição pela polícia que jamais traz efeitos drásticos (característica que dentro do universo do jogo comporta um estudo social interessante a respeito dos limites da natureza humana), em Red Dead Redemption a liberdade é permeada com um senso próprio de responsabilidade, de modo que, caso seja optado por efetuar condutas desonrosas, em pouco tempo ocorrerá um boicote da população (dificultando o acesso a lojas, por exemplo) e as condutas de boa natureza são recompensados pelo reconhecimento social (gerando efeitos positivos, como uma remuneração maior pelos trabalhos executados).

Red Dead Redemption se passa no momento de declínio do Velho Oeste, com as antigas instituições sociais sendo aos poucos substituídas pelo forte conluio entre a figura do Estado e as corporações nos papeis de urbanizar e industrializar a região com vistas a trazer uma ideia de modernidade. Este conflito entre o Velho e o Novo Oeste é sentido durante toda a narrativa, de forma que muitas vezes a modernização traz conseqüências negativas, não sendo por acaso que a cidade mais industrializada do jogo é a mesma em que as estruturas de opressão estatal se localizam.

Filosofia da Liberdade

O jogo é protagonizado por John Marston, um ex-criminoso que, após ter renunciado desta vida, tem sua família capturada por agentes do Bureau of Investigation (predecessor do FBI) e é forçado  pelo agente Edgar Ross a trabalhar com estes para capturar membros de sua antiga gangue. O primeiro ponto importante já se encontra nesta breve sinopse, ao colocar o governo como aquele que constrange a liberdade de Marston e sua família de uma maneira que afronta toda a legalidade a qual os órgão públicos deveriam em tese se amparar. Conforme o jogador vai avançando na história, começa a ficar cada vez mais cético sobre a possibilidade de conseguir ver o reencontro familiar, ao se perceber que as intenções e métodos de Ross são, no mínimo, duvidosa. Não sendo surpreendente (e não leia o restante do parágrafo caso não tenha jogado o jogo inteiro) que mesmo no momento em que John finalmente consegue ter o que tanto almejava, é tramada uma armadilha com o fim de o executar.

A intervenção do Bureau of Investigation se contorna de ilegalidade por dois aspectos. O primeiro deles é o simples fato de que em nenhum momento são apontados fatos que possam incriminar Marston de qualquer crime, de forma que se restringe a liberdade do protagonista pelo simples fato de ser público e notório que ele já tinha praticado crimes no passado, esquecendo-se que a garantia para o abuso estatal é o de que seu poder punitivo (caso se compreenda que ele é necessário) deve estar estritamente amparado no procedimento descrito em lei: punir determinado infrator por um crime específico previamente estabelecido, com base em provas de este o ter cometido e por meio do devido processo legal. O outro fator importante é que, mesmo em se pensando que existia um direito estatal de punir Marston, de forma alguma poderia ser excedido para a figura de sua esposa e filha, os quais sofreram sanções estatais sem terem praticado delito algum.

Essa repulsa à repressão governamental é melhor caracterizada no arco em que Marston se dirige ao México, onde a corrupção e ineficiência governamental se encontram de forma mais elevada do que nos Estados Unidos, fazendo com que Marston, para atingir seus objetivos, precise se aliar com os revolucionários. É através dos diálogos entre o protagonista e o Abraham Reyes (líder da revolução) que se pode ver o quanto a população não se enxerga representada através de seus representantes. Por outro lado, as intenções de Reyes são demonstradas como puramente populistas e este, por trás de sua fala altruísta, sempre consegue fazer com que os demais revolucionários se sacrifiquem por ele e, em certos diálogos, expõe simpatia por ideias eugênicas. A natureza do personagem se torna óbvia, portanto, ao final do jogo quando se descobre que Reyes assumiu o poder e se tornou um político com a mesma índole perversa de seus antecessores, demonstrando que a mudança social não deve ser focado em projetos personalistas, mas através da limitação do poder.

Red Dead Redemption
Red Dead Redemption

Não é apenas na crítica à atividade estatal que Red Dead Redemption acerta, conseguindo também promover debates sobre o papel da mulher na sociedade ao traçar personagens femininas de natureza forte em um gênero que muitas vezes é acusado, com certa dose de razão, em ser focado primordialmente nos personagens masculinos. As personagens do sexo feminino se mostram não como figuras frágeis e que precisam de proteção, mas que conseguem livremente viver suas vidas e se igualam aos homens na sua aptidão para enfrentarem o perigo e superarem as adversidades. O melhor exemplo dessas personagens é Bonnie MacFarlane, a qual se torna a responsável pelos negócios de sua família e, mesmo em determinados momentos mostrando um flerte com John, não se incomoda de fugir os estereótipos da época ao se mostrar uma mulher bem resolvidas apesar de, durante a quase totalidade do jogo, não ter casado ou constituído família.

Red Dead Redemption consegue, ao mesmo tempo que traz uma nostalgia em relação aos bons filmes de Velho Oeste, trazer uma mensagem política madura e que faz o jogador se questionar sobre o papel das instituições políticas e da liberdade individual ao mesmo tempo em que consegue funcionar como uma boa forma de entretenimento. Afinal, são poucas as possibilidades em que se pode aliar a mensagem da liberdade com uma boa dose de tiroteios e perseguições.

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